terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Mais esquerda, mais Europa

O problema, à esquerda, não é de mais ou menos convergência. É de clareza. Ricardo Costa fala de "implosão". Acho que o problema é mais "confusão". É essencial perceber como é que os partidos à esquerda deste PS tão mole veem a União Europeia e o nosso lugar no sonho europeu. O PCP é eurocético, já se sabe. E o BE? Vai escolher que lado, afinal de contas? Ou vai prolongar esta indecisão e tentar aguentar-se mais um bocado na corda bamba, bamba, bamba?

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Correspondente Estrangeiro: Nas estações de correio


Nas estações de correio o mundo é tão platónico. As pessoas sempre caladas, a segurar as caras como quem segura uma jarra à espera da flor. Só que a flor nunca vem. Hoje as cartas já não são flores. Já não são cartas sequer. São só encomendas, faturas, publicidade, postais. Principalmente, faturas. Talvez seja um facto global, mas em Portugal isso é tão certo que é mais do que um facto, é um símbolo. Isso tudo, quero dizer. Sim, são talvez dos melhores lugares, as estações de correio, para um estrangeiro perceber o que é ser português. Ou não perceber do modo mais exato. Entre reflexos de árvores e livros de auto-ajuda, assim um silêncio intraduzível. Uma calma morna, hospitalar, atravessada por números eletrónicos (o conta-senhas declamando 133, 134, 135, 136, 137), e ninguém diz nada, ninguém se passa, ninguém come o chapéu, ninguém salta em cima do chapéu. Gente parada, de olhos no infinito, a sonhar o quê?

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Equação da Arte Poética

Se (Lei-Padrão) Teatro=Voz
Cinema=Ação
e Literatura=Palavra

e (Lei Godard) Teatro=Cinema=Romance

(sabendo-se que Romance=Literatura)

então: Voz=Ação=Palavra?

Não: Leis diferentes para Problemas diferentes
Leis distintas não paralelas/ opostas/ incompatíveis

Tal como a vontade de clareza Não é:
contrária à ideia de abertura/ totalidade/ pergunta


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Jornal Local: a concorrência

De manhã um jovem cidadão desce a Rua da Misericórdia com um jornal na boca. Na boca mesmo, sim. Tratava-se de um título da concorrência, mas Jornal Local não foge aos factos: era o diário Público. Claro, gostos não se discutem. Mas a questão é outra. Não será este o futuro do jornalismo? Fazer jornais tão bons e tão próximos da vida que até tenhamos vontade de os comer?


[I'd say more] 
This morning a young citizen walks down Misericórdia Street with a newspaper in his mouth. Yes, really, in his mouth. A rival title, but Jornal Local won't dodge the facts: it was the daily Público. Each to his own taste, sure. But that's beside the point. The point is: is this not the future of journalism? Making such good, lively, newspapers that we feel like eating them?

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Ainda está para vir/ Just around the corner

Talvez só tenha faltado a Eusébio o seu Nelson Rodrigues. Alguém que, em tempo real, fosse iluminando a figura do craque genial contra o cenário do país e do mundo. Como o grande cronista brasileiro fez com Garrincha e Pelé.
E daí, talvez não. Talvez Eusébio seja menos personagem que mito, menos cinema que fotografia, mais poesia que prosa. 
Quem sabe ainda está para vir o poeta que fará o poema louco e exato onde Eusébio possa voltar a dar aqueles chutos irrepetíveis.



[I'd say more]
Maybe the only thing that Eusébio didn't have was his Nelson Rodrigues. Someone who would illuminate in real time the genius footballer's figure against the country and the world. As the great Brazilian writer did with Garrincha and Pelé.
And then again, maybe not. Maybe Eusébio is less a character than a myth, less cinema than photography, more poetry than prose.
Who knows, maybe the poet who will write the mad, exact poem where Eusébio might once again shoot those unrepeatable balls is just around the corner.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

I'd say more

Se, como diz Eco, a Tradução é a língua da Europa — bem, let's try it, oui?
A partir de hoje, uma nova rubrica neste blogue. Chama-se I'd say more. Ou não bem uma rubrica, mais uma ferramenta. Uma espécie de O-que-eu-gosto-de-bombas-de-gasolina-translator.
Alguns postais (sempre que possível) serão mudados para Tradução.
I'd say more é uma pequena homenagem aos gémeos Dupond e Dupont, dos livros do Tintim, de Hergé. Parece que, nas edições inglesas, a famosa frase da dupla de chapéu de coco é "to be precise". Mas aqui — servindo de aviso para as traduções rápidas que aparecerão neste blogue — vou usar uma versão mais literal, a partir da edição portuguesa. I'd say more.  



[I'd say more]
If Translation is the language of Europe, as Eco claims — well, let's try it, oui?
This blog has a new label, starting today. It's called I'd say more. Or not really a label, more like a tool. A sort of O-que-eu-gosto-de-bombas-de-gasolina-translator.
Some posts (whenever possible) will be changed into Translation.
I'd say more is a little homage to the Thomson and Thompson twins, from Tintin's books, by Hergé. Apparently, in the English editions, the famous line by the bowler hats duet is "to be precise". But here — as a warning to the rough translations coming up in this blog — I'll be using a more literal version, taken from the Portuguese edition. I'd say more.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Sobre uma fotografia de João Pina

Nesta bicicleta de fogo, sou um deus. De quê, não sei. Sou a legenda de mim próprio, e sigo em direção à parte escura da imagem. Tudo explode mas não é ainda a revolução. Cheira a cor de laranja, negro-cinza, gasolina, plástico, alcatrão, lixo brilhante. Isto não é o fim do mundo. Neste país somos deuses desempregados, mas um dia será diferente. Um dia atravessaremos a fotografia. Um dia quem aqui no meu lugar? Um dia esse alguém que eu serei atravessará a imagem — grande deus de si próprio — e o mundo será só começo, sim.