quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Pescar à vista

Conheço o Filipe Condado aí há uns dois mil anos. É um amigo que sabe que estar presente dos modos mais simples e discretos. Até que, de repente, sobe a uma árvore altíssima, ventosa, só para sacar uma fotografia especial ou para fazer uma qualquer piada acrobática. Conheço-o há muito tempo, e ainda assim não foi sem surpresa que descobri estas suas novas imagens. A Sala do Veado, na Rua da Escola Politécnica, está cheia de fotografias mansas. Mansas mas vivas, mansas e vivas. Não é um trabalho de acrobata mas de pescador. Alguém que se equipa de paciência e vai para a realidade pescar expressionismo abstrato no que está à vista. Paredes, jornais, sombras, lanços de escada contra paredes riscadas, tanto mistério.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Inesperar

Não, também eu não acredito em Sebastiões que um belo dia saem do nevoeiro para nos salvar. Mas só alguém muito desatento ou muito casmurro não vê que a aparente hesitação de António Costa em avançar para a liderança do PS é uma péssima notícia para o país. Não sou do PS; já votei PS, Bloco de Esquerda e, em desespero de causa, como nas últimas eleições, em branco. Mas, no estado de coisas em que estamos, com Passos-Portas de um lado e Seguro do outro, a crise alimenta-se de si própria. Porque sem uma visão, uma esperança, uma ideia de futuro, podemos andar aqui a cortar despesas durante décadas que só daremos passos atrás. Por isso precisamos de António Costa. 
À esquerda do PS, imagino que os taticistas do costume estejam apreensivos. Um líder socialista mais forte pode conquistar apoios ao Bloco e ao PCP. Por outro lado, digo eu, um líder com ideias próprias também é capaz de uma outra abertura. O compromisso para uma união à esquerda só é realizável com interlocutores capazes. Líderes que, sendo senhores das suas cabeças, possam dar suficiente espaço aos outros para encontrarem consensos. E, se do lado do PS atual, faltam ideias e clareza — ideologia! —, do lado do Bloco e do PCP (sonhem, sonhem...) falta europeísmo. 
A solução para a embrulhada em que estamos passa por construir uma nova Europa a partir de um novo espírito — uma espécie de “descomplexo de culpa”. Não podemos continuar a pensar a política nestes termos de “nós vs. a Europa”. Somos europeus! É o que somos. É este o nosso lugar no mundo, o nosso ponto de vista. Sair do pântano da crise em direção ao futuro exige que lutemos por uma nova Europa a partir de um novo patriotismo europeu — patriotismo europeu, sim. Escrevo-o sem aspas, que não podemos mais ter medo das palavras. Só saindo das frases feitas, das palavrinhas certinhas, só indo para lá dos lugares comuns, poderemos pôr a mexer este triste presente estático. Hesitação é tudo o que não precisamos para começar a mudar isto, caro António Costa. Tem de ser agora.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Segredo

Correr no campo e correr na cidade são desportos diferentes. Correr em Lisboa, pelo menos, parece-me uma modalidade mais próxima das artes marciais ou da luta livre do que propriamente do fundo, meio-fundo. Bem me ensinava quem me ensinou: “Onde é que está o segredo do boxe? Nos pés!”
Nas manhãs de inverno é duro pôr a máquina-corpo a mexer. Os músculos frios, ensonados, distraídos a pensar em férias, camas, livros, lugares interiores. E a cabeça, pois, ainda demasiado leve para conseguir ser uma locomotiva convincente. Acabámos de acordar, estamos esvaziados de sonhos. O primeiro passo é tremendo. E o segundo, o terceiro, e os seguintes, até que o balanço valha por si. É difícil, duroduro. Mas o mais complicado talvez ainda seja romper a barreira de estranheza/ sensação de ridículo/ o quê? que há quando se corre fora dos locais próprios. As pessoas ocupadas que nos olham com olhos de pôr na ponta do nariz. As pessoas ocupadas que fingem não nos olhar com sobrancelhas iguais a corvos mesquinhos. As pessoas ocupadas em não fazer nada, olha a merda.
Ah sim, temos de nos desviar das prendas dos cães. E pedir licença na passadeira para atravessar. Mas vai, vai. Há que ser feliz e não ligar meia, ligar só às pequenezas mais verdadeiras, às mais altas almas, continuar em frente como diz a canção do Vasco Cardoso. Será que hoje cumpro a meia hora a que me propus? Será que em maio estou apto para a meia maratona, caramba? Isto de aprender a ser cota tem muito que se lhe diga. Mas não penses demais. Complicar é batota. Cala-te, vai. Cala-te e corre. “Onde é que está o segredo do boxe?”