segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Correspondente Estrangeiro: O pleonasmo da chuva

A sabedoria local diz que as praças de Lisboa não estão preparadas para a chuva. Mas a sabedoria local engana-se. Às vezes, de perto, não se consegue ver tudo. Com as suas calçadas de filme antigo, com as suas linhas desenhadas à mão, as praças lisboetas estão preparadíssimas para a chuva. Quem nunca pensou, ao atravessar o Camões ou a Praça da Figueira, que bem que ficaria isto com uma carga d'água em cima? Lisboa está mais que preparada para a chuva. O problema é quando a chuva começa mesmo a cair. 
O vagabundo gordo do Calhariz emagrece de imediato, o par de namorados torna-se ímpar tão juntinho debaixo do guarda-chuva, a senhora de saia é como uma lágrima negra que a praça vertesse canastrissimamente. De um momento para o outro, os lisboetas todos introvertidos, pensativos, poéticos, pingões. Que segredo traz a chuva? Dá ideia que, atrás da pedra das casas e do chão, alguma coisa se dissolve. Uma cidade feita para a água do mar, não para a água do céu. Mesmo os cavalos das estátuas se apoucam, desiludidos na escuridão.
Não, a chuva em Lisboa não tem nada de meteorologia, é um fenómeno mais para os lados do metafísico.
No minuto em que a água começa a desabar, aparecem vendedores de guarda-chuvas à porta das estações de metro, dos centros comerciais, das pastelarias. Homens morenos — sempre homens, sempre morenos — nascidos do alcatrão. Dizem que os guarda-chuvas são bons e baratos. Falam daquilo como quem fala de fruta ou doces. Guarda-chuvas de chocolate? Uma proteção tenrinha para a água divina. Mas, à saída do metro do Chiado, o vendedor deve estar com pouca sorte hoje. Paradão, como um bengaleiro estrangeiro na calçada portuguesa.
Debaixo da chuva, Lisboa estilhaçada; feita em mil minúsculas cidades de pernas para o ar nas poças de água. Um silêncio tão frio. Até que, da roda do táxi, salta uma onda gigante. Um guarda-chuva a esbracejar, uma sombra encharcada, um palavrão, e volta tudo ao mesmo. 
E o pior é que era totalmente desnecessária esta chuva. Continuam tão feias as manchetes desfocadas atrás dos plásticos no quiosque que a chuva é um acréscimo burro. A cidade estragada pelo pleonasmo. “Chover no molhado”, dizem os locais. E têm toda a razão.

domingo, 29 de dezembro de 2013

“O PS não é confiável como partido da oposição"

Pacheco Pereira tem toda a razão — este PS de Seguro é abaixo dos mínimos. E o alerta para um namoro PS-PP também nos deve fazer pensar. 

No ano novo, uma nova esquerda?

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Reportagem 10



“Não escrevo ‘colunas espirituosas’. Pinto o retrato da época. É para isso que os grandes jornais existem. Não sou um repórter, sou um jornalista; não sou um cronista, sou um poeta.” (Joseph Roth)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Yo, Orlando! (pardon my English)




Functionally Literate is Burrow Press' reading series in Orlando, hosted by Jared Silvia.
(Thanks, Jared!
And thank you, Burrow Press and Ryan Rivas!)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Hoje, às 19h, no MUDE: objetos verdadeiros não identificados



(eu ajudo à festa com duas coisas de dizer: Texto Masculino da República Democrática Europeia/ Texto Feminino da República Democrática Europeia)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Assim, mesmo quando ganhamos, perdemos

"Exagera na sensatez e a tua pirâmide não será mais que um monte", diz o famoso provérbio Azteca. Talvez Jorge Jesus devesse levantar os olhos dos calhamaços pascalianos onde anda a queimar as pestanas para pensar um bocado nisto. Claro que os grandes males vêm de trás, mas não tenho dúvidas: se ontem temos arriscado a glória como é próprio do Glorioso, os deuses do futebol teriam sido mais simpáticos connosco. Não é superstição, é só uma fezada mesmo. Em vez disso, o que é que fizemos? Quais pirâmides quais quê, presenteámos os parisienses com um jogo de salamaleques, tudo só ais e uis, faça favor, não vossemecê primeiro. Coisa mais mole. Assim, claro, mesmo quando ganhamos, perdemos. 
Digo “excesso de sensatez” porque, enfim, aprecio a arte do eufemismo. Mas, têm razão, ele há um tempo para eufemismos e um tempo para dizer as coisas mesmo. Falemos grosso então, que esta não é época para florzinhas. A verdade é que o grande princípio de jogo deste mister que nos calhou na rifa tem um nome nada pascaliano. Começa com "cag" e acaba com "ufa". E isso, pois, não comove nenhum deus lá nos olimpos. 
Mas o grande mal vem muito de trás, sim. Toda a ideia filipevieirística de olhar para o Benfica como uma montra de jogadores… Pode correr bem um ano, com sorte, mas não é maldade que se faça ao maior clube do mundo e arredores. Pondo a coisa na língua do paleio dominante, o que o futebol do Glorioso precisa é menos especulação e mais economia real. Menos medinho e mais ambição. Uma qualquer ideia de jogo, no mínimo! A ver se, perdidas as europas, ganhamos ao menos aos aroucas.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Punho fechado, alto no ar, gritar

Mandela!

Um poema de Frank O'Hara

AUTOBIOGRAPHIA LITERARIA


Quando era criança
brincava sozinho num
canto do recreio
completamente só.

Odiava brinquedos e
odiava jogos, os animais não
se davam bem comigo e os pássaros
voavam para longe.

Se alguém andava 
à minha procura eu escondia-me atrás de uma
árvore e gritava “Sou
órfão.”

E aqui estou eu, o
centro de toda a beleza!
a escrever estes poemas!

Imagina!

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Jornal Local: a bolinha

Nos degraus da estação Baixa-Chiado, quem sobe da plataforma do metro para a saída, uma bolinha, plim, plim. Foi uma rapariga, “Ah!...”, que a deixou cair. A bolinha salta na direção do vazio absoluto da linha de metro, vai-se perder para todo o sempre — mas o rapaz para-a com o pé. 
A bolinha segue para o lado da parede, sã e salva. Aliviada, dá ideia, rodando sobre si própria numa espécie de suspiro. E afinal não é uma bolinha qualquer, oh não. Jornal Local estava lá e viu.
É uma verdadeira pérola.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Prémio DST hoje, às 17h, na Feira do Livro de Braga

Depois de Nova Iorque, Newark, Boston, Dartmouth, Fall River, Amherst, Orlando, Miami e Nova Orleães — Braga. Faz muito sentido. Bem, faz algum sentido. Um sentido do tipo, digamos, "António Variações meets the Mardi Gras Indians".
(Há jet-lag de Lisboa para o Minho?)
Espero é que o Américo Abril também vá à cerimónia de entrega do Prémio DST a O verdadeiro ator. Para me ajudar nas formalidades e assim. Para descomplicar um bocado a coisa. E, se alguns de vocês pudessem passar por lá com uma gargalhada ou duas, agradecíamos muitíssimo.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Jornal Local: casca de banana

Num dia de azul e coisas nítidas um homem de chapéu desce a Calçada do Combro com uma casca de banana na mão. Não se parece com nada.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

True turnê

Amherst foi bué da awesome, Orlando foi mesmo great, e Miami também didn't go nada mal. 
Daqui a pouco, em Nova Orleães, vai ser jazz.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Newtonville, Boston

Que bom saber que ainda há livrarias assim, onde as pessoas gostam mesmo de livros e sabem mesmo de livros. Livrarias pequenas com muita coisa boa, onde todos os funcionários são livreiros e não vendedores. Por exemplo: alguém pergunta a um dos mais novos sobre um livro recente de um autor norte-americano. E o livreiro responde que a ideia do livro é muito boa, mas que faltam personagens para levar a ideia a cabo. 
A leitura do The True Actor correu bem, também.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Américo na América!

O verdadeiro ator agora é também The true actor.
Américo Abril, o protagonista deste romance, saltou para o outro lado do mundo.



Jeff Parker editou, Jaime Braz e Dean Thomas Ellis traduziram. Uma edição Dzanc Books.

sábado, 9 de novembro de 2013

(Em português, é outra coisa, não?)

EUROPA, BREVE INTRODUÇÃO

Era uma vez, há milhões de anos, pessoas que iam ao cinema. Viam um comboio e gritavam, porque acreditavam que o comboio ia sair do ecrã e matá-las. Viam homens e mulheres e gritavam, porque acreditavam que eram fantasmas e não homens e mulheres. Viam um grande plano de um rosto sem expressão e depois um grande plano de um pedaço de pão e gritavam, porque acreditavam que o ator tinha fome.
Nos melhores locais da cidade, em cima de grandes rochas loucas, havia umas salas de cinema feitas assim só de colunas e sol; umas máquinas superdelicadas que projetavam palavras de fogo contra os céus antigos, os céus azuis-opacos que existiam antes de 0000, o ano em que o homem de Nazaré foi crucificado pelos nazis. Nesse tempo, as pessoas iam ao cinema como nós hoje vamos para a terra quando morremos. Só que faziam isso quotidianamente. Bem, sim. Eram assim as coisas. A vida. Viam um touro — lá em cima, no ecrã, o grande animal misterioso — e gritavam, porque acreditavam que era um deus. Tinham toda a razão.
Claro que era tudo a preto e branco. Isto foi durante a fase de Cinema Natural do mundo. O touro era branco na noite, branco incandescente, como um copo de leite visto pelos olhos de Hitchcock. É o mito, e, sabem o slogan não?, o mito é a verdade vinte e quatro vezes por segundo. E um belo dia, era domingo, o touro viu uma rapariga bonita na plateia. Ah caramba, que cara mais atenta a dela. Ah que espanto, o modo como ela mascava a pastilha.
Na realidade cinemascope do mundo, o touro raptou, violou ou amou a rapariga. Aqui há diferentes versões. Três, pelo menos. Todos sabemos o nome da rapariga, claro, porque na verdade é o nosso nome. Apesar de termos tendência para o esquecer. Apesar de não o usarmos a maior parte das vezes, por causa da culpa ou lá o que é. Mas, sabem, um nome é um nome. O que Pessoa disse sobre o mito, é isso um nome: o nada que é tudo. Europa, Europe, Europe.
O pai da rapariga era um homem poderoso, um milionário da lista da Forbes, mas não havia nada que ele pudesse fazer para trazer a filha de volta. Para o bem e para o mal, ela agora estava no futuro. A cavalgar deus sobre as ondas, sob a lua cheia, uma surfista nua, de cara aberta aberta. Quando chegou a Creta tornou-se rainha e deu à luz três filhos: o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Conselho Europeu. Receio que isto seja apenas uma breve introdução à coisa propriamente dita. A História sairá na próxima segunda-feira. Não percam. Vocês têm uma palavra a dizer sobre a forma como isto se desenrolará. Conseguirão os três europeus salvar a mãe, o amor de deus — o nosso nome — da austeridade, da desigualdade, da tecnocracia?




(excerto do texto "História dos Pormenores" que escrevi para o espetáculo "Bull's Eye" de Philippe Vincent — a ante-estreia é hoje em Montemor-o-Novo, a estreia será uns dias depois em Marselha)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Hoje, às 21.30h, subir ao Taborda!

O meu jantar com o André, de Wallace Shawn e André Gregory, com encenação de Manuel Wiborg, estreia hoje no Taborda. Os atores são o António Filipe e o próprio Manuel Wiborg. 
E a culpa da tradução é minha:

"(...)
ANDRÉ Wally!
WALLY Olá, André.

ANDRÉ e WALLY encontram-se e abraçam-se.

(voz off) Lembro-me, da primeira vez, quando comecei a trabalhar com a companhia do André, não conseguia deixar de estranhar os atores terem de abraçar as pessoas quando as cumprimentavam. 'Agora estou mesmo no teatro', pensei."


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

(Noutra língua pensamos diferente, de novo?)

EUROPE, A BRIEF INTRODUCTION


Once upon a time, some million years ago, people went to the movies. They saw a train and cried, for they believed it would come out of the screen and kill them. They saw men and women and cried, for they believed they were not men and women but ghosts. They saw this close-up of a blank face and then a close-up of a piece of bread and cried, for they believed the actor was hungry. 
In the best city spots, on big crazy rocks, there were these cinema houses made only of columns and sun; these super-delicate machines that projected words of fire against the ancient skies, the opaque-blue skies that existed before 0000, the year the man from Nazareth was crucified by the nazis. Back then, people went to the movies like today we go to the earth when we die. Only they did it on a daily basis. So, well. That's how it was. Life. They saw a bull — up there, on the screen, this great mystery of an animal — and they cried, for they believed it was a god. They were absolutely right.
Everything was in black-and-white, of course. This was during the Natural Cinema phase of the world. The bull was white in the night, shining white, like a glass of milk seen through Hitchcock's eyes. It's the myth, and, you know the slogan right?, the myth is the truth twenty-four times per second. And one fine day, Sunday it was, this bull saw a beautiful girl in the audience. Oh boy she had such an attentive face. Oh my, the way she chewed her chewing gum.
In the cinemascope-reality of the world, the bull kidnapped, raped or made love to the girl. There are different versions here. Three, at least. The girl's name we all know, of course, because it's our name, really. Even if we tend to forget it. Even if sometimes, out of guilt or whatever it is, we don't use it. But, you know, a name is a name. What Pessoa said about the myth, that's a name: the nothing that is everything. Europa, Europe, Europe.
The girl's father was a powerful man, a Forbes billionaire, but there was nothing he could do to bring back his daughter. For better or for worse, she was in the future now. Riding god over the waves, under the fool moon, a naked woman surfer, her face open open. When she arrived in Crete she became a queen and gave birth to three sons: the European Parliament, the European Commission and the European Council. This is just a brief introduction to the real thing, I'm afraid. History will be out next Monday. Do not miss it. You have a say in how all this plays out. Will the three Europeans save their mother, god's love — our name — from austerity, inequality, technocracy?



(texto que escrevi para o espetáculo "Bull's Eye" de Philippe Vincent)

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Sobre uma fotografia de Rebecca Lepkoff

Isto aconteceu. Eu estou aqui. Vejo estas pessoas que veem esse barco que vem como um bocado de sonho claro planando sobre o rio, atravessando o mundo de negras colunas e fumo. Isto acontece. Os meus olhos estiveram aqui. E agora sou com vocês e essa menina pequenina pela mão do pai a pergunta que as velas rasgam na paisagem ou na imagem. Como é que tudo é? E como é que tudo muda?

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Bota verão nisso

O Deserto Branco do meu irmão Martinho está de volta, cheio de malhas coloridas, versos falados, bocas cantadas, ondas yolatengótimas e outros milagres. Vai começar!


terça-feira, 29 de outubro de 2013

Caixa de comentários 2 (a Europa)

Talvez Pedro Lains tenha razão e a Europa dê a volta por cima mais uma vez. Era bom é que não demorasse tanto. E, já agora, que o que resultasse daí não fosse um centrão europeu e sim uma verdadeira democracia — uma união política, política, política!, onde possamos escolher entre diferentes visões, onde os representantes nos representem realmente, onde o voto gere mudança.

domingo, 27 de outubro de 2013

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Jornal Local: meteorologia

No lugar certo, à hora certa, não é difícil descobrir quando é que vai parar de chover. Jornal Local fez a experiência com resultados extremamente positivos. A chuva para no instante preciso em que a Rua do Poço dos Negros é mais ela mesma.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sobre uma fotografia de Fred R. Conrad

Não, não acho nada que pensar seja o que os especialistas dizem quando dizem "eu penso que". Pensar é muito mais algo rente-rente a sonhar acordado.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Contra o “orgulhosamente sós”

Falta democracia, falta política à Europa. 
E ontem, na Universidade Católica, Joseph Weiler, deu uma boa saída “constitucional” para o pântano em que vivemos. A ideia é que a solução não passa necessariamente por uma nova alteração dos tratados. As próximas eleições europeias podem permitir esse salto urgentíssimo. 
Para já, há um sinal positivo: o caso inédito de um candidato a Presidente da Comissão Europeia que avança por iniciativa própria e que consegue o apoio do seu partido europeu (Martin Schulz, do Partido Socialista Europeu). Falta agora aparecerem candidatos das outras famílias europeias. E que, cada um, expresse uma visão politicamente distinta da União que quer. E faltam, segundo Weiler, mais algumas condições: que o Conselho Europeu escolha o candidato vencedor destas eleições e que o Presidente eleito escolha uma Comissão em que a maioria seja da sua família política (de outro modo, uma vez que a Comissão é um órgão colegial, não poderá cumprir o programa político que anunciou na campanha). 
O que resultará daí? Não sabemos, ninguém sabe. Porque, em democracia, não há refeições pré-cozinhadas. No tempo do 'orgulhosamente sós' é que não se queria política, preferia-se manter tudo bem escondidinho debaixo da manta. Vamos a isto, Europa?

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Nobel da literatura para uma contista

Até que enfim que Alice Munro recebe o Nobel. É mais do que merecido.

E pode ser que ajude a romper o preconceito geral em relação aos contos.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Caixa de comentários (o país e a esquerda)

Vale a pena comprar o Público de ontem só para ler a entrevista de Pacheco Pereira. Nem sempre estou de acordo com o desassombrado historiador/político/comentador (e, quando o assunto é a Europa ou a cultura, quase nunca), mas o diagnóstico apresentado, em jeito de rescaldo das autárquicas, nestas respostas ao Público, é perfeito.

Também a propósito das eleições, e pensando no desaire do BE, Daniel Oliveira faz aqui uma análise interessante. Mas, na questão europeia, critica o BE pelo lado errado, parece-me. Diz que o Bloco deve clarificar o seu discurso sobre a Europa no sentido de não permitir "que a ideia de dignidade nacional e patriotismo seja monopólio do PCP". Acho que o que falta é exatamente o contrário: uma esquerda que diga: "somos tão europeus como a Senhora Merkel e não aceitamos lições de europeísmo: queremos é outra Europa: uma Europa democrática, política, aberta, solidária, transparente, uma união digna desse nome". Já deu para perceber pelas meias palavras de Seguro que não dá para contar com este PS para dizer algo minimamente parecido com isso. E o PCP cavalga um "orgulhosamente sós" fechado ao futuro. Por todas as razões e mais uma, é esse o espaço que o Bloco de Esquerda tem de ocupar. Mas quando, quando?

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Aquilo de ontem

Sobre aquilo de ontem em Paris, o Record diz "crise" e a Bola diz "humilhante", mas a verdade é que a coisa foi muito pior. Para começarmos a tentar descrever o jogo de ontem com o PSG, só socorrendo-nos de gíria mesmo. Aquilo foi um atropelamento, uma pancada, o fim da picada, uma grossa e vil tristeza, um espalhantrançozãozíssimo.
Ele pode haver desastre mais triste que levar olés de parisienses?
Afinal, sim: ouvir o treinador do Benfica dizer, passados dois jogos, que agora temos de lutar pelo segundo lugar. Pelo "segundo lugar"? Terei ouvido bem? Terei lido bem? Será possível? 
É aqui que começa todo esse problema chamado Jorge Jesus. O mister do SLB acha que está num clube qualquer igual aos outros. E receio que já seja tarde para lhe explicar o que é o Glorioso. Mas deixem-me corrigir: é esse o problema de Jorge Jesus e também o de Luís Filipe Vieira, que os dois juntos parecem ter como único desígnio para o clube de Eusébio a transformação da catedral num entreposto de jogadores. Pegar em talentos, adaptá-los, retocá-los, "valorizá-los", e depois vendê-los rapidamente. É essa a única estratégia visível da dupla Luís Filipe Vieira/Jorge Jesus. Ora isso pode ser muitas coisas, mas não é o Benfica.
O que ontem se viu em Paris foi o vir-à-tona de muita asneira para trás.
Pensemos na maneira como mandaram Aimar embora, por exemplo. Uma lenda daquelas a sair pela porta do cavalo... Ou lembremo-nos, bem sei que é difícil, do final da época passada.
No momento em que o treinador do Benfica, ao levar um golo, cai de joelhos no relvado do Dragão, devia ter levado logo com um sms a dizer "despedimento com justa causa". Aposto que nenhum tribunal do mundo deixaria de aceitar o argumento.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Trabalho em progresso!

Em 2014 o Tiago Rodrigues e eu teremos um espetáculo na Culturgest: Interpretação. Entretanto, no aniversário dessa casa que nos recebe, mostramos uma versão trabalho-em-progresso. Ideias de peças possíveis, quantos cruzamentos, perguntas em forma de sim. É já nos dias 4, 5 e 6. Entrada livre!

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O dia seguinte

Do ponto de vista político, a grande vitória de António Costa em Lisboa é a afirmação de um outro caminho — sem austeridade e sem populismo.
E a derrota nacional do PSD de Passos Coelho é para lá de estrondosa.
E, no entanto, ouviram o discurso de Seguro ontem à noite? Chamar "desinspirado" àquilo é simpatia aos molhos. Estamos pior que mal com este governo, mas se o texto que Seguro tentou ler para as câmaras é uma amostra reveladora da personagem, se num momento assim o líder da oposição é não mais que aquele papel cinzentão, se a cabeça da oposição europeísta à coligação PSD/PP/Troika é só um porta-voz de frases feitas, a situação ainda está mais trancada do que parecia.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Jornal Local: o balão

Na Rua da Misericórdia, uma mão larga o fio, e o balão sobe, sobe, até se tornar um pontinho vermelho no grande céu branco. Quando toca na nuvem, plástico contra algodão — brrum, cai um dilúvio sobre Lisboa.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Um poema de António Ramos Rosa


O FOGO DA ADOLESCÊNCIA



Com minúsculos dedos acendeu um frágil fogo.
A luz uniu-se à cinza e a adolescência iluminou-se
tão ágil e minuciosa e abrindo a mão clara
para libertar uma asa. O seu canto era só água.
E nas pálpebras unidos o mar e a montanha.
Pela força do fogo nas veias subterrâneas
e pelo vento veloz, pela dureza das pedras,
o mundo era mais branco e aromático
e a boca bebia o sol e a sombra sem linguagem.


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Metáfora 3

No edifício de um banco que já não existe, uma gaveta de arquivo com uma etiqueta a dizer "fichas mortas de contratos cancelados".

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Marselha, perguntas

Na London Review of Books, Neal Ascherson cita uma frase publicitária: “2013 não é o primeiro ano em que Marselha é Capital Europeia da Cultura. A primeira vez foi em 1940.” Nessa altura milhares de refugiados tentavam fugir dos nazis a partir deste grande porto europeu. Arendt, Benjamin, Chagall, Tzara, Weil e tantos anónimos. É preciso ler isto, lembrar isto aqui. A Europa também é esta memória dura, e tantas perguntas.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Mais isto

Ensaios de uma peça de teatro-e-tudo em Marselha. Um encenador francês, uma atriz finlandesa, uma atriz francesa, um ator português, uma videoartista escocesa, um músico alemão, um escritor português. A Europa é isto. Devia ser mais isto.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Como é que é, “poder moderador”?

Quando mais precisávamos de um árbitro com autoridade, eis que se confirmam as piores expetativas: temos um bandeirinha parcial.

sábado, 20 de julho de 2013

Senhor Presidente, por favor, não dê mau nome aos jogos de tabuleiro

Há ótimos jogos para brincar às combinações. Este Set é um bom exemplo. Agora, no lugar da política, não. Já perdemos demasiado tempo. Esperemos que o Presidente se deixe de jogos de tabuleiro e convoque eleições antecipadas. Um governo revogável — isso é que causa instabilidade. Democracia, democracia, democracia já!

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Discursos dobrados


Quando se junta no caldeirão a cassete, o maquiavelismo, o politicamente correto e o tecnocratês, e se deixa tudo a cozer em lume brando durante semanas com umas pitadas de “salvação nacional” por cima, o mais certo é termos o caldo entornado. Só ruído e mais ruído. O facto é que os partidos têm andado demasiado tempo a falar dobrado. A coligação PP-PSD diz “irrevogável” e “estabilidade” quando quer dizer “oportunismo” e “austeridade”. O PS diz “salvação nacional” quando quer dizer “tática”. O PCP diz “patriótico” em vez de “cartilha”. E o BE grita “pacto de agressão” quando devia andar a traduzir o que ouve quando ouve “Europa”. De maneira que vamos assim, passeando sob as cagarras, assobiando para o lado, confiando que, por não pensarmos nisso, o céu não nos cairá na cabeça.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Reportagem 9


"E acontece o seguinte: quando estranho uma pintura é aí que é pintura. E quando estranho a palavra é aí que ela alcança o sentido. E quando estranho a vida aí é que começa a vida." (Clarice Lispector)

sábado, 13 de julho de 2013

Sobre uma fotografia de Enric Vives-Rubio

A figura à direita no sofá olha em frente com a oca solenidade de quem está no solário, à espera, a trabalhar para o bronze. À esquerda, o homem grisalho fecha-se sobre si mesmo. Mais à esquerda, outros dois homens olham para alguma coisa atrás da câmara, aproveitando qualquer pretexto para não enfrentarem a questão sobre a mesa. Já a mulher junto a eles parece fazer um esforço contra a náusea que não sabe de onde vem. No extremo oposto o homem de fato escuro olha para os pés das pessoas em frente pensando no tempo. Quanto tempo já terá passado, quanto tempo faltará ainda. Um pouco mais para o meio, temos o anfitrião. Um homem de fato cinzento, estranhamente descontraído. Sentado de perna cruzada e como que atravessado por um relógio de pé, sorri para dentro. No chão vê uma ideia de que ninguém desconfia e isso diverte-o por um instante. Este instante que a fotografia fixou. Quanto tempo. Sobre todo o grupo, uma imensa pintura em tons de castanho. Uma imagem confusa, monstruosa, triste.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Portugal precisa de uma coligação Syriza?

Chamem-lhe como quiserem, mas precisamos de uma coligação à esquerda que queira salvar, renovar, reinventar o sonho europeu — dizendo não à austeridade, e dizendo sim à solidariedade. Lutando aqui, na Europa que vai de Atenas a Berlim e de Dublin a Lisboa, pela transparência, pela democracia — e por uma União digna desse nome.

domingo, 7 de julho de 2013

A democracia é revogável?

A fórmula cozinhada pelo PSD e pelo CDS-PP configura, só não vê quem não quer ver, um autêntico golpe palaciano. “Palaciano” como em “Palácio das Necessidades”. Nesta versão o líder do CDS-PP, conhecido ex-irrevogável, torna-se uma espécie de primeiro-ministro de facto e Passos Coelho converte-se na rainha da Inglaterra do Governo e da coligação. Talvez para os próprios seja divertido brincar à dança das cadeiras, agora o país é que não suporta mais isto. E tem todas as razões para não suportar.
Até terça-feira, pelo menos, Portugal fica entre parêntesis, mas tudo indica que o Presidente abençoará esta solução mais que pífia — por respeitinho aos “mercados”, por medo da democracia. O que, a concretizar-se, será gravíssimo. Aliás, olhando para trás, é fácil ver uma ligação direta entre o “pânico” com a perspetiva de eleições, que surgiu instantaneamente, como uma reação alérgica, dir-se-ia, após a demissão do ministro dos Negócios Estrangeiros, e o “não fui eleito coisíssima nenhuma” de Vítor Gaspar. É isto? A democracia está suspensa, senhor Presidente?

sexta-feira, 5 de julho de 2013

The true actor


Perdoem-me, só uma pequena interrupção para publicidade. É que O verdadeiro ator vai ser editado na América. Imaginem! 
Um excerto saiu agora na revista Ninth Letter (ed. Philip Graham).
E, dia 9, lá estarei eu no Disquiet a ler um excerto da tradução (um belo trabalho de Jaime Braz e Dean Thomas Ellis, edição de Jeff Parker). É às 18.30h, no Centro Nacional de Cultura.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Construir a mudança

Ricardo Costa diz bem ao dizer que "a carta de demissão de Vítor Gaspar foi um beijo de morte de um narcisista absoluto" e "a escolha de Maria Luís uma loucura que ficará na história".
 
Pacheco Pereira tem razão ao afirmar que "é preciso muito cuidado em aceitar pelo seu valor facial tudo o que se anda por aí a dizer". E que, por trás da demissão do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, estão taticismos eleitorais. 
 
E esta crónica de Daniel Oliveira roça o profético.
 
Venham as eleições. Agora falta saber como é que a esquerda vai construir uma alternativa, uma esperança, para começar a mudar a Europa a partir deste nosso lugar de séculos e futuro.
 
 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Que livro lerias contra esta coligação da austeridade?


Na Praça Taksim, em Istambul, algumas pessoas protestam a ler. 
No Largo do Carmo, em Lisboa, protestarias lendo o quê? O Livro do Desassossego de Bernardo Soares, O Nome das Coisas de Sophia de Mello Breyner Andresen, A Febre de Wallace Shawn?

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen


ESTA GENTE


Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo



terça-feira, 25 de junho de 2013

Sobre uma fotografia de Garry Winogrand

A mulher tem o mar pelas pernas e maravilhosamente não pensa em nada. Mas ainda não sabe isso. É preciso que ele a assuste, apanhando-a pelas costas, braços pela cintura, levantando-a da água como uma criança com superpoderes, e que o céu se entorne por cima dela, um guarda-sol azul que não para de cair, e que ela se ria como há tanto tempo não, rindo como se chora, com o corpo todo, rindo sim literalmente até às pontas do cabelo, e que o dia pare por todo o nunca nada amen, e o sal e a frescura se tornem uma ideia na cara dela de repente tão escancarada, para que a mulher dê conta desse ‘maravilhosamente’. Não é preciso pôr palavras nas coisas, afinal, que bom. Dava para fazer um romance disto, Deus meu.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

"You don’t get it. You’re like Mozart",



dizia-lhe ao telefone David Chase (o criador de Os Sopranos). E "do outro lado da linha haveria silêncio". (do NYT)

terça-feira, 11 de junho de 2013

Contra a troika, a Europa

A troika é um erro crasso. E é o maior trunfo dado pela União Europeia aos eurocéticos. Mais: a troika é antieuropeísta. Infelizmente não estou a brincar. A ideia de um grupo de emissários técnicos que, enquanto representantes da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional, vêm a um país da União “indicar soluções”, “sugerir opções”, “dar orientações”, “afinar metas” (escolha-se o eufemismo que se quiser) ao governo desse país é uma ideia capaz de destruir o sonho europeu em três tempos. Não, infelizmente não estou a exagerar.
Claro que o problema vem de trás, e é mais profundo. Mesmo em relação à chamada crise da dívida ou crise do euro. Porque o problema de fundo não é financeiro nem económico. É político. Não podemos ter medo da palavra. Aliás, tenho a certeza de que a crise será ultrapassada no momento em que salvarmos essa distinta, clara, simples, antiga palavra — “política” — da lama por onde a arrastam tantas vezes, do vácuo onde a querem guardar tantas outras.
A questão é política, sim. Não é possível haver uma união económica e monetária sem uma verdadeira união política. Isto é, uma democracia europeia em que os cidadãos se sintam representados; uma democracia europeia onde os representantes do povo falem em nome do todo e não pelos interesses desta ou daquela parte; uma democracia europeia que seja verdadeiramente — “diretamente” — europeia e não apenas o menor denominador comum saído das reuniões de um grupo de estados. Haverá diferentes formas de se caminhar para aí, sabendo, no entanto, que agora o tempo urge e temos, perdoem-me a expressão demasiado literal, de correr contra o prejuízo. (...)


(excerto do texto que escrevi para o livro “Troika Ano II – uma avaliação de 66 cidadãos” com coordenação de Eduardo Paz Ferreira)

domingo, 26 de maio de 2013

Lenços brancos

Perdemos todos tudo, ponto final. Parágrafo.
Mas agora que o desastre desta época chegou ao fim, tem de se dizer a verdade. Jorge Jesus é um grande treinador para equipas pequenas. É bom a transformar jogadores para os vender no ano seguinte, e na hora agá põe-se a defender empates. O Benfica não é isto. O Benfica joga para ganhar e, se está a ganhar, joga para ganhar por mais, para levar o caneco e dar espetáculo. 
Um treinador que erra e erra e erra e não aprende com os erros à frente da equipa do Glorioso? Um treinador que deixa Pablo Aimar no banco merece liderar o futebol do Benfica? 
Lenços brancos, lenços brancos.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Letreiros Maravilha

Numa montra, leio: “Frango tipo leitão”.
Uns metros à frente, outra loja anuncia: “Interiores de homem e senhora”.

sábado, 18 de maio de 2013

Errata Expresso

Dei uma entrevista ao Expresso a lembrar o meu pai — numa altura em que precisamos de uma revolução europeia.

Há dois pequenos erros no texto. Um é dizer-se que, no dia 22, vamos (a minha mãe, os meus irmãos e eu) à Tocha.
Outro é dizer-se que eu não acabei o curso de direito. O "não" está errado. Não é por nada — não uso o curso para nada — mas deu-me tanto trabalho...

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Papoilas em Amesterdão

Hoje, ao cantar as papoilas saltitantes em Amesterdão, a voz benfiquista, não tenho dúvidas, "sinatrará". (Belo verbo que o Samuel Úria inventou.) Espero que o mister tenha uma iluminação de última hora e ponha o Pablo Aimar de início. Já vejo uma daquelas jogadas do nosso mestre argentino, uma daquelas que nem dá para dizer se são arquitetura ou filosofia, a resolver o assunto. Vamos dar pelo menos dois a esses milionários de Chelsea, e trazer o caneco para casa. As ruas de Lisboa tornar-se-ão salas ou campos e o Aimar "sinatrará" a taça de avião para oferecer ao Eusébio e o céu será sem limite.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Reportagem 8


"Estamos sempre a esquecer coisas até ao momento em que, de facto, as lembramos. E, nesse momento, estamos realmente a evocá-las ou apenas a pagar uma espécie de tributo à sua verdadeira qualidade de coisas esquecíveis?" (James Wood)

sexta-feira, 10 de maio de 2013

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Muita merda, caro Silva Silva

O Adalberto Silva Silva vai hoje a Viseu e amanhã corre para as Caldas. É uma miniturnê antiausteridade, pró-alegria e para sempre. Sim, yes, oui?

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Só faltava esta

Depois de todos os falhanços, depois de todo o fracasso, o governo revela-se agora como uma "desunião de facto". Daqueles casais que falam por intermédio dos filhos, "Podes dizer ao teu paizinho para me passar o sal, por favor?"

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A Europa é nossa

Atrás da baliza, somos guarda-redes de bancada e sofremos como artures. Mas valeu ou não valeu a pena, caramba? Ganhámos e vencemos e viva o Glorioso. Agora é ir a Amesterdão buscar o caneco. Fazer, na linguagem do futebol-arte, um manifesto contra a mesquinhez e o chamado "pragmatismo", um poema contra esta malfadada, burra, triste, que raio de palavra, austeridade. 
Está escrito nas estrelas que o Glorioso vai ganhar, bem sei. Ainda assim, atenção, por favor. Desde que vi bandos de papagaios da Amazônia à solta pelos pinheiros de Telegraph Hill, em São Francisco, não me sai da cabeça que até o impossível é possível. Atenção ao máximo, senhores. Nos países baixos temos de jogar o nosso jogo mais alto. Ideias no pé do Nico, bola lá para o Tacuara.


sexta-feira, 19 de abril de 2013

"O verdadeiro ator" ganhou o Grande Prémio de Literatura DST!

Muito honrado, e tão espantado, o autor nem sabe bem o que dizer. Muito obrigado! Mil obrigados por terem levantado do silêncio este meu livro.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O Benfica é um mundo

Fui encontrar o Benfica em San Jose, na Califórnia! Uma casa de boa gente, cheia de mística. O Glorioso é mais que uma nação, é todo um mundo. 




domingo, 14 de abril de 2013

A parábola do tecnocrata

Nunca tinha visto Rich and Strange de Hitchcock. Não é exatamente o que hoje se chama comédia romântica, mas anda lá perto. Será mais um romance cómico. Um filme entre o mudo e o sonoro, com a graça das antiguidades e o espanto da modernidade — do tempo em que se entrava no futuro sem pedir licença. Esta primeira sequência funciona sozinha, uma curta-metragem que ensina cinema melhor que mil manuais.

sábado, 13 de abril de 2013

Estacionamentos Nobel



A Europa devia aprender a fazer isto — lugares de estacionamento para prémios Nobel — a ver se agarra mais cérebros. Além do mais, é boa publicidade. ("NL" é de "Nobel laureate".)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A questão de fundo mantém-se

Do ponto de vista político, esta mudança cirúrgica no governo Passos-Portas não altera nada. A questão de fundo mantém-se. Agora é verdade que Miguel Poiares Maduro é um supercraque que pode fazer alguns belos golos de bola parada. Merecia bem mais que a missão de tapar buracos deixados pelo ministro anterior. Se tivesse a pasta da negociação com Bruxelas (e carta branca, livre de dogmas gasparizantes...), talvez pudesse haver boas surpresas.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Nao

Há de certeza um poema sobre o jet lag, mas onde?

E um conto kafkiano em Berkeley?

Bonita a poesia concreta de Paul Krugman no New York Times: "Just Say Nao"

domingo, 7 de abril de 2013

Uma coligação PS-BE?

Terei visto bem? O primeiro-ministro amua com o Tribunal Constitucional e castiga o país? Lembra aquelas crianças que, ao levarem uma reprimenda, se põem a partir brinquedos.
Não, venham as eleições. Temos de mudar Portugal e mudar a Europa.
Um dado positivo, entretanto, é a declaração do BE dizendo-se disponível para um "governo de esquerda". Se a oposição não imitar o governo em casmurrice e arrogância, talvez a saída pudesse ser uma coligação PS-BE. No tabuleiro atual, diria que é aí que está a chave: no justo equilíbrio entre o idealismo bloquista e o europeísmo socialista.

Aquele Grande Rio deve gostar disto


quinta-feira, 4 de abril de 2013

Aeroportos, aviões, cinema

Um aeroporto é como aquele filme do Altman. Histórias que se definem em poucas pinceladas, misteriosamente, com uma clareza no limite do realismo. Por exemplo, um casal de sessentas e tais num corredor do terminal 1 da Portela a experimentar óculos. Falam o inglês suave e nasalado da América, mas o homem traz uma boina galega e a mulher um cajado de caminhante. A jovem vendedora segura um espelho sobre o ombro como um pirata com o seu papagaio.
No retângulo sem moldura o rosto da americana experimenta óculos escuros. Que ideia estranha, óculos negros na superfície de um espelho.
Um pouco atrás, o homem da boina está de boca aberta, suspenso; um peregrino à espera da revelação.
E já está. De repente tudo explode com uma gargalhada branca. “No wonder they're so nice!” diz a mulher quando a vendedora anuncia o preço.

No avião vejo um filme onde o protagonista inventa um filme para conseguir uma coisa no mundo. No céu, sobre as nuvens, as pessoas olhando para as imagens, cada uma com o seu ecrã, como se olhassem para espelhos.

O avião levanta voo em Newark. Baldios, estradas, armazéns, tudo ficando mais e mais pequeno, mais e mais nítido. Depósitos brancos como aspirinas gigantes depositadas sobre a terra. Cinema real!

Por exemplo, o miúdo pequeno fugindo aos pais na direção da porta de embarque. A mãe chama-o, e depois o pai também. Mas ele continua. Um miúdo de quatro, cinco anos?, cabelo cortado à escovinha. Passa por baixo da fita azul, lá vai ele.
Avançando na direção do filho, o homem agora fala mais forte. O miúdo para, mas não se vira para trás. E, já que ele não está olhar, o pai sorri.

quinta-feira, 14 de março de 2013

No Porto é hoje o dia Silva Silva

O nosso Adalberto aparece às nove e meia no palco do Teatro Carlos Alberto (TeCA). Até domingo, o grande Ivo Alexandre põe comédia no mundo. Venham, passem palavra. Vamos matar de riso a austeridade!

segunda-feira, 11 de março de 2013

Jornal Local: aos pombos

Depois da chuva, no Jardim de São Pedro de Alcântara, duas alemãs, talvez irmãs, de pé, à conversa; dois brasileiros, talvez pai e filho, de pé, à conversa; e, entre os dois pares, sentada e sozinha, uma portuguesa. Jornal Local estava lá e registou. Como quem lança confetis numa festa esvaziada, diz a mulher, "Sabem quem é que vos dá de comer, pombos?" (Pausa teatral.) "É a Mãe!"

sexta-feira, 8 de março de 2013

Na semana que vem, só dá Porto

Na próxima terça-feira às 21h, a minha breve peça Luto vai fazer parte, juntamente com outros textos de outros autores, das Leituras no Mosteiro (organização TNSJ, coordenação de Nuno M Cardoso e Paula Braga).
E, quinta-feira, dia 14, no âmbito do programa Solos do TNSJ, o Adalberto Silva Silvaum espetáculo de realidade no Teatro Carlos Alberto. E por lá fica até domingo, 17. 
Venham, apareçam, temos de nos encontrar!

quarta-feira, 6 de março de 2013

terça-feira, 5 de março de 2013

Jornal Local: não leias isto

Num degrau da Rua do Quelhas, um pão aberto cheio de formigas. As nuvens afastando-se por um segundo para que a luz caia sobre aquilo. O pão estragado, como um monumento. Jornal Local estava lá para registar. Mas, de repente, passa um estudante rua abaixo; na mochila, em letras brancas, pintadas a pistola, a frase — sim, precisamente — não leias isto.

segunda-feira, 4 de março de 2013

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Jornal Local: Portugal pela mão

Na entrada de cima da Rua da Trindade, um homem de casaco escuro segura um Portugal amarelo, feito de cartolina, aí do tamanho de dois bacalhaus e meio. De repente há uma rabanada de vento e o país parece que se vai. Que susto. O homem encosta a cartolina ao peito e segue caminho. Jornal Local esteve lá e pode garantir que: agora sim. Sim, senhor. Finalmente, Portugal avança.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A resignação do Papa, por exemplo

Devo confessar que este Papa sempre me pareceu um enigma demasiado frio e fechado. O primeiro gesto de Bento XVI que verdadeiramente me sobressaltou foi este da sua resignação. Sim, do modesto ponto vista deste escritor, a história de Joseph Ratzinger/Bento XVI começaria agora. Uma história em busca desse momento interior, misterioso, porventura intraduzível, em que alguma coisa acontece na alma do sábio alemão — e o faz decidir assim. Deixar de ser Papa. Pois, talvez esteja a puxar a brasa à minha sardinha, mas parece-me que o jornalismo de hoje devia ter espaço para este tipo de histórias. Sabemos os factos. Mas, para vermos as interrogações com o máximo de clareza, precisamos também de imaginação. Será?

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Itália leva demasiado à letra postal de O que eu gosto de bombas de gasolina

Quando, há uns dias, pensando apenas neste retângulo à beira-mar plantado, falei de um partido de humoristas, estava longe de imaginar um sucesso tão meteórico como o de Beppe Grillo. 25%! E, no entanto, o resultado das eleições italianas prova a ideia-base desse meu postal português — se os partidos não se reinventam enquanto espaços de liberdade e abertura, o descontentamento encontrará outros canais, mais ou menos populistas, mais ou menos eficazes, mais ou menos engraçados, mais ou menos perigosos.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Aimar contra a troika

Ontem ouvi alguém dizer que o Aimar tinha de sair no fim do ano porque qualquer coisa e "a massa salarial"... Logo a seguir, plim, o grande Pablito faz isto. Só para lembrar que o futebol joga-se é com a cabeça. O argentino mais português do mundo merece todo o nosso aplauso, ponto final, ponto de exclamação, parágrafo. Mesmo sentado no banco, lesionado, constipado, é ele o porta-bandeira da mística benfiquista. Ofereçam-lhe mais um ano, dois, dez, ofereçam-lhe a cadeira de treinador e de presidente. E não tragam a conversa contabilística para o relvado da catedral. Haja respeito, por favor.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Bons sinais

São bons sinais estes protestos em forma de canto ou de piada. Mostram que, mesmo debaixo de tanta crise e desesperança, o país tenta responder à falta de horizontes com a inteligência da imaginação. Na hora justa, um ato poético vale mais que mil indicadores. As faturas de amor-com-amor-se-paga, as Grândolas que nos hão de levar à vitória, tudo isto é poesia em movimento. Poesia, exato — e não há nada mais real. Nem nada mais perigoso para os podres poderes.
Agora é preciso que, no terreno das ideias, no campo da palavra-ação — no lugar da política! —, haja gente capaz de seguir o exemplo. Não, não estou a pedir que se construa uma alternativa a esta coligação entre tecnocracia arrogante e direita populista com um partido de cantores e humoristas. O que quero dizer é que é preciso outra clareza, outra franqueza, outra ousadia, e novas vozes. Que, no chão nobre e difícil da política (cada vez mais difícil e por isso cada vez mais nobre?), possam surgir gestos assim imaginativos e abertos. O país da austeridade é guardado pela linguagem monocórdica: temos de a romper com palavras todas futuras.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Um poema de W.H. Auden


MUSÉE DES BEAUX ARTS


About suffering they were never wrong,
The Old Masters: how well they understood
Its human position; how it takes place
While someone else is eating or opening a window or just walking dully along;
How, when the aged are reverently, passionately waiting
For the miraculous birth, there always must be
Children who did not specially want it to happen, skating
On a pond at the edge of the wood:
They never forgot
That even the dreadful martyrdom must run its course
Anyhow in a corner, some untidy spot
Where the dogs go on with their doggy life and the torturer's horse
Scratches its innocent behind on a tree.

In Brueghel's Icarus, for instance: how everything turns away
Quite leisurely from the disaster; the ploughman may
Have heard the splash, the forsaken cry,
But for him it was not an important failure; the sun shone
As it had to on the white legs disappearing into the green
Water; and the expensive delicate ship that must have seen
Something amazing, a boy falling out of the sky,
Had somewhere to get to and sailed calmly on.